20 de jul. de 2009

Prefiro o outono

Prefiro o Outono.
Acho-o mais bonito, mais sábio, mais tranqüilo.
A primavera é linda, cheia de cores, cios e odores. Mas não me comove. Não encontro nela lugar para a saudade. Por isso lhe falta aquela gota de tristeza que mora em toda obra de arte. É que ela existe na paradisíaca inconsciência do fim...
O Verão é diferente. Excita meu lado de fora e me transforma em sol, céu, mar. Misturo-me com seu universo luminoso, quente e suarento cheio de cachoeiras e limonadas geladas. Tudo me convida a não pensar. A só rir, gozar, usufruir. Como diz Fernando Pessoa, pensamento é doença dos olhos. Ao que eu acrescentaria: do corpo inteiro. A gente pensa quando dói, quando o sapato aperta, quando a azia queima, quando o coração tropeça. O corpo saudável é transparente. Sai de si e fica todo no mar, no céu, no sol. É a doença que o torna opaco. O Verão faz este milagre comigo, esvazia-se de mim, e eu me perco (eroticamente) nos seus braços...
Mas o Outono me chama de volta. Devolve-me à minha verdade. Sinto então a dor bonita da nostalgia, pedaço de mim, de que não posso me esquecer.
Primeiro é aquele friozinho pelas manhãs e pelas tardes. O Verão já se foi. Fica dentro, o sentimento de que tudo é despedida. O Outono tem memória. Coisa de que precisa para se ter saudade. E saudade, como nos ensinou Riobaldo, é uma espécie de velhice.
Depois são as cortes. O céu azul profundo, as árvores e grama de um outro verde, misturado com o dourado dos raios de sol inclinados. Tudo fica mais pungente ao cair da tarde, pelo frio, pelo crepúsculo, o que revela o parentesco entre o Outono e o entardecer. O Outono é o ano que entardece.


(...)
Há os prazeres da Primavera.
Há os prazeres do Verão
Mas há uma alegria que só surge no Outono.
(...)
Há morangos que se comem sobre o abismo.
Balões que só sobem ao crepúsculo.
E belezas que só existem no Outono.É preciso beber a taça, até o fim.



OUTONO (Por Rubem Alves)
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