12 de jan. de 2012

Protesto silencioso secreto

“Acho… que prefiro me lembrar de uma vida desperdiçada com coisas frágeis, a uma vida gasta evitando a dívida moral”. As palavras surgiram num sonho e eu as escrevi quando acordei, sem saber ao certo o que significavam ou a quem se aplicavam. (…)
Afinal, existem tantas coisas frágeis. Pessoas se despedaçam tão facilmente, sonhos e corações também.
Enquanto escrevo isso, me ocorre que a pecularidade da maioria das coisas que consideramos frágeis é o modo como elas são, na verdade, fortes.
Corações podem ser partidos, mas o coração é o mais forte dos músculos, capaz de pulsar durante toda a vida, setenta vezes por minuto, e não falhar quase nunca. Até os sonhos, que são as coisas mais intangíveis e delicadas, podem se mostrar incrivelmente difíceis de matar.
Histórias, assim como pessoas, borboletas, ovos de aves canoras, corações humanos e sonhos, também são coisas frágeis, feitas de nada mais forte ou duradouro do que 26 letras e um punhado de sinais de pontuação. Ou então são palavras no ar, composta de sonhos e idéias – abstratas, invisíveis, sumindo no momento em que são pronunciadas -, e o que poderia ser mais inútil do que isso?
Mas algumas histórias, pequenas, simples, sobre gente embarcando em aventuras ou realizando maravilhas, contos de milagres e de monstros, duram mais do que todas as pessoas que as contaram, e algumas duram mais do que as próprias terras onde elas foram criadas.”
                                                                                                                                 NEIL GAIMAN – COISAS FRÁGEIS






Se tem algo que me intrigou a vida inteira foi o tempo.


Na adolescência, até mesmo a sua representação, o seu comum acordo humano de segmenta-lo me incomodava. De tanto pensar sobre, considerando a subjetividade de “algemas do tempo” passei a não usar relógio de pulso. Quase como um “protesto silencioso e secreto”.
Os relógios de bolso até me agradavam. Gostava de pensar na ideia de poder fechar, colocar no bolso e sair andando como se guardasse aqueles minutos pra mais tarde, como se fosse então mais livre.

Já na faculdade, pude pensar sobre o tempo em outros aspectos. Trabalhando com crianças e com idosos em educação infantil e educação de jovens e adultos percebi sua ação sobre as pessoas. Notava a ação do tempo sobre a pele, ainda elástica, jovial, assim como as manchas, dobras, rugas, como se não aguentassem mais cobrir aqueles corpos. A pele de pessoas idosas parece escorrer pelo corpo, desistindo aos poucos de cobrir, de sentir, de sustentar por tanto tempo todo o conhecimento e experiências já vividas. Gosto de pensar que ela quer voltar para a Terra, quer voltar para o Todo, renascendo e se transformando em diversos outros múltiplos.
É interessante ver o tempo agindo sobre os pelos, fazendo com que surjam e protejam, modifiquem os rostos, fazendo com que os cabelos fiquem brancos ou que se percam da cabeça. Penso como seria interessante que um vídeo pudesse acompanhar todo o processo, as mudanças, a vida que surge nos corpos e ela passando por eles, até o último suspiro. Admiro. Há muitos outros sentimentos envolvidos em tudo isso, há incontáveis situações que rodeiam a ação do tempo pela vida, mas não será possível compreender todo este caleidoscópio nestas poucas linhas.

Atualmente trabalho mais em frente a um computador que qualquer outra coisa. E sabem quando as pessoas afirmam que o tempo é relativo? Sim, aqui, pelo menos comigo acontece muito isso. Há semanas que tenho plena certeza que tiveram duas segundas, duas terças e assim vai. Há outras nas quais acordo achando que é quarta e já é quinta-feira, mas realmente não conseguia me recordar que havia trabalhado segunda-feira. Quando os prazos são curtos o tempo brinca de fazer cooper, quando não há nada de urgente ele se arrasta com as unhas dos dedos mindinhos.
O dia passa, o tempo voa e não gosto de chegar ao fim dele sem ter nem perguntado como a pessoa ao meu lado estava ou dito um oi. Às vezes isso acontece e me vejo agora sem a liberdade do meu “protesto silencioso secreto”, presa aos prazos, aos e-mails, ao cronograma.
O tempo e seus agentes controladores. ”Quanto é a sua hora/aula? Qual o preço do seu saber na segmentação do tempo que eu estipulei? Em quanto tempo você pode passar o seu conhecimento?”
Engraçado pensar nisso. Pense em antigamente, quando o conhecimento era realmente pensado como o valor da vida, das experiências que aquela pessoa passou. Pense num ancião rodeado de pessoas de todas as idades, pessoas atentas querendo descobrir o que e como ele viu o Mundo. E se você chegasse para todos eles, colocasse um cronômetro, algumas moedas e dissesse: _ Vai! Contando!
Não lhe parece estranho? Por um momento achei engraçado, depois foi ficando triste e no fim ficou a conclusão de estar descontextualizado e fora do seu tempo no geral.

Neste momento está chovendo. As pessoas preocupadas em ocupar os seus espaços no transporte para casa. Se preocupam em ficar minutos de vida dentro de suas latas de sardinhas motorizadas, paradas, consigo mesmas e um fundo musical preenchendo o espaço. Pessoas preocupadas em ocupar os espaços dentro da falta de espaço do transporte público, os apertos, as janelas fechadas e os vidros embaçados, o ar mais quente, os guarda-chuvas pingando. Ambas as situações esticam o tempo como se fosse um chiclete mascado, esticam a um ponto que você pede para que passe, para que voe, para que não dure todos os espacinhos do seu relógio. E ele vai demorar. Você só ficará pensando nele e depois que passar se sentirá lesado por ele.

O tempo é uma coisa engraçada. Me lembro que ele era gentil comigo quando ainda não alcançava a pia do banheiro para escovar os dentes e não era possível apoiar os cotovelos sobre a mesa sentada na cadeira.
A chuva e a falta de energia elétrica eram divertidas. O barulho das calhas do quintal, os desenhos das gotas na janela, os granizos branquinhos no jardim. Pular nas poças de galochas.

Era outro Tempo?
Que Tempo?
Era outra Lika?
O que o tempo fez comigo e o que será que eu fiz com ele?